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A crucificação de Jesus - parte 1

A crucificação de Jesus foi um evento que ocorreu no ano 33 d.C. Jesus, que os cristãos acreditam ser o filho de Deus e também o Messias, foi preso, julgado pelo Sinédrio e condenado por Pôncio Pilatos a ser flagelado e finalmente executado na cruz. Coletivamente chamados de Paixão, o sofrimento e morte de Jesus representam aspectos centrais da teologia cristã, incluindo as doutrinas da salvação e da expiação.

Jesus na cruz entre os dois ladrões.
1619-1620. Por Rubens, atualmente no Museu Real de Belas Artes de Antuérpia, na Bélgica.

A crucificação de Jesus está descrita nos quatro evangelhos canônicos, foi atestada por outras fontes antigas e está firmemente estabelecida como um evento histórico confirmado por fontes não cristãs. Os cristãos acreditam que o sofrimento de Jesus foi previsto na Bíblia hebraica, como no salmo 22 e nos cânticos de Isaías sobre o servo sofredor. De acordo com uma harmonia evangélica, Jesus foi preso no Getsêmani após a Última Ceia com os doze apóstolos e foi julgado pelo Sinédrio, por Pilatos e por Herodes Antipas antes de ser entregue para execução. Após ter sido chicoteado, Jesus recebeu dos soldados romanos, como zombaria, o título de "Rei dos Judeus", foi vestido com um manto púrpura (a cor imperial), uma coroa de espinhos, foi surrado e cuspido. Finalmente, Jesus carregou a cruz em direção ao local de sua execução.

Uma vez no Gólgota, Jesus recebeu vinho misturado com bile para beber. Os evangelhos de Mateus e Marcos relatam que ele se recusou a beber. Ele então foi pregado à cruz, que foi erguida entre a de dois ladrões condenados. De acordo com Marcos 15:25, ele resistiu ao tormento por aproximadamente seis horas, da hora terça (aproximadamente 9 da manhã) até a sua morte (Marcos 15:34-37), na hora nona (três da tarde). Os soldados afixaram uma tabuleta acima de sua cabeça que dizia "Jesus de Nazaré, Rei dos Judeus" em três línguas ("INRI" em latim), dividiram entre si as suas roupas e tiraram a sorte para ver quem ficaria com o manto. Eles não quebraram as pernas de Jesus como fizeram com os outros dois crucificados (o ato acelerava a morte), pois Jesus já estava morto. Cada evangelho tem o seu próprio relato sobre as últimas palavras de Jesus (sete frases ao todo). Nos evangelhos sinóticos, vários eventos sobrenaturais acompanharam toda a crucificação, incluindo uma escuridão, um terremoto e, em Mateus, a ressurreição de santos. Após a morte de Jesus, seu corpo foi retirado da cruz por José de Arimateia com a ajuda de Nicodemos e enterrado num túmulo escavado na rocha. De acordo com os evangelhos, Jesus então voltou da morte dois dias depois (o "terceiro dia").

Os cristãos tradicionalmente entendem a morte de Jesus na cruz como sendo um sacrifício proposital e consciente (dado que Jesus não tentou se defender em seus julgamentos), realizado por ele na figura de "agente de Deus" para redimir os pecados da humanidade e tornar a salvação possível. A maior parte dos cristãos proclamam este sacrifício através do pão e do vinho na Eucaristia, uma lembrança da Última Ceia, e muitos também comemoram o evento na Sexta-Feira Santa anualmente.

RELATOS SOBRE A CRUCIFICAÇÃO

Os estudiosos modernos consideram o batismo de Jesus e a sua crucificação como sendo dois fatos historicamente certos sobre ele.

James Dunn afirma que estes "dois fatos na vida de Jesus detém hoje uma concordância quase universal" e "figuram bem alto na escala do 'quase impossível duvidar ou negar' dos fatos históricos" que eles são geralmente os pontos de partida para o estudo do Jesus histórico.

Bart Ehrman afirma que a crucificação por ordem de Pôncio Pilatos é o elemento mais certo que sabemos sobre ele.

John Dominic Crossan afirma que a crucificação de Jesus é tão certa quanto um fato histórico pode ser.

Eddy e Boyd afirmam que está atualmente "firmemente estabelecido" que existe confirmação por fontes não cristãs sobre a crucificação de Jesus.

Craig Blomberg afirma que a maioria dos acadêmicos na terceira busca pelo Jesus histórico consideram a crucificação indisputável. Ainda que os estudiosos concordem na historicidade da crucificação, eles discordam sobre as razões e sobre o contexto em que ela se insere, por exemplo E. P. Sanders e Paula Fredriksen defendem a historicidade da crucificação, mas argumentam que ele não a teria previsto e que a sua profecia sobre sua morte é uma história cristã.

Christopher M. Tuckett afirma que, embora as razões exatas para a morte de Jesus sejam difíceis de determinar, um dos fatos inquestionáveis sobre ele é que ele foi crucificado.

Geza Vermes também entende que a crucificação é um evento histórico, mas apresenta sua própria explicação e contexto para ela.

John P. Meier enxerga a crucificação de Jesus como um fato histórico e afirma, baseado no "critério do embaraço", que os cristãos não teriam inventado uma morte sofrida do seu líder.

Meier afirma ainda que diversos outros critérios, como da "múltipla atestação" (a confirmação por mais de uma fonte), o "critério da coerência" (o evento se encaixa corretamente em outros eventos históricos) e o "critério da rejeição" (o evento não foi contestado por fontes antigas) ajudam a estabelecer a crucificação de Jesus como um evento histórico.

Embora quase todas as fontes antigas sobre a crucificação sejam literárias, a descoberta arqueológica de 1968, a nordeste de Jerusalém, do corpo de um homem crucificado no século I nos deu boas evidências confirmatórias sobre os relatos evangélicos da crucificação. O homem foi identificado como sendo Yohan Ben Ha'galgol e morreu por volta de 70 d.C., por volta da época da revolta judaica contra Roma. As análises na "Hadassah Medical School" estimaram que ele morreu com quase trinta anos. Estes estudos também mostraram que ele foi crucificado de uma forma muito similar à relatada nos evangelhos. Outra descoberta arqueológica relevante, que também data do século I, é um osso do calcanhar de uma pessoa não identificada perfurado por prego descoberto numa cova em Jerusalém, preservado pela autoridade Israelense para Antiguidades e em exposição no Museu de Israel.

NARRATIVAS BÍBLICAS

As primeiras narrativas históricas detalhadas sobre a morte de Jesus estão nos quatro evangelhos canônicos (Mateus 27:33-44; Marcos 15:22-32; Lucas 23:33-43; João 19:17-30). Há outras referências implícitas nas epístolas do Novo Testamento. Nos evangelhos sinóticos, Jesus prevê sua morte em três ocasiões diferentes

De acordo com os quatro evangelhos, Jesus foi levado ao "Lugar com uma caveira" ("Calvário") («e em hebraico Gólgota» (João 19:17)) e crucificado juntamente com dois ladrões, acusado de ser o "Rei dos Judeus" e os soldados dividiram suas roupas entre si antes de curvar sua cabeça e morrer. Após a morte de Jesus, José de Arimateia requisitou o corpo a Pilatos, que ele retirou da cruz e depositou um novo túmulo.

Morte de Jesus.
1886-1894. Por James Tissot, atualmente no Brooklyn Museum, em Nova Iorque.
Os três evangelhos sinóticos descrevem ainda Simão Cirineu carregando a cruz, a multidão zombando de Jesus e dos ladrões, escuridão entre as horas sexta e nona, assim como o véu do templo se rasgando de alto a baixo. Eles também mencionam diversas testemunhas, incluindo um centurião e diversas mulheres, que olhavam à distância, duas das quais estavam também presentes durante o sepultamento.

Lucas é o único evangelista a omitir o detalhe da mistura de vinho e bile que foi oferecida para Jesus numa esponja, enquanto que Marcos e João descrevem José de Arimateia retirando o corpo da cruz.

Há diversos detalhes que só são encontrados em um dos relatos. Como exemplo, apenas Mateus menciona um terremoto, os santos ressuscitados que se dirigiram para a cidade e os soldados romanos postados para guardar o túmulo, enquanto Marcos é o único que atesta a hora da crucificação (a hora terça - 9 da manhã) e o relato do centurião sobre a morte de Jesus. As contribuições únicas ao relato de Lucas incluem as palavras de Jesus para as mulheres, a resposta de um ladrão para o outro, a reação da multidão - que "batia no peito" - e as mulheres preparando temperos e unções antes de descansarem no sabbath. Por fim, João é o único que se refere ao pedido para que as pernas dos crucificados fossem quebradas e o evento do soldado perfurando o flanco de Jesus com uma lança (cumprindo uma profecia do Antigo Testamento), assim como sobre a ajuda prestada por Nicodemos a José de Arimateia no sepultamento de Jesus.

De acordo com os evangelhos canônicos, Jesus voltou dos mortos depois de três dias e apareceu para os discípulos em diferentes ocasiões num período de quarenta dias antes de ascender ao céu. O relato nos Atos dos Apóstolos, que diz que Jesus permaneceu com os apóstolos por quarenta dias parece divergir do relato no evangelho de Lucas, que não faz distinção alguma entre o Domingo de Páscoa e o da Ascensão. Porém, a maior parte dos estudiosos bíblicos concordam que Lucas também escreveu os Atos dos Apóstolos como uma sequência ao seu evangelho e que as duas obras devem ser consideradas juntas.

Em Marcos, Jesus é crucificado juntamente com dois ladrões (ou "rebeldes") e o dia escurece por três horas, Jesus chama por Deus, dá um último grito e morre A cortina (ou véu) do Templo se parte em dois. Mateus segue Marcos, adicionando o terremoto e a ressurreição dos santos. Lucas também segue Marcos, mas descreve os "rebeldes" como ladrões comuns, um dos quais defende Jesus que, por sua vez, lhe diz que ambos estarão juntos no paraíso. Lucas também descreve Jesus como impassivo frente à crucificação. Por fim, João inclui diversos dos elementos encontrados em Marcos, embora tratados de maneira diferente.

OUTROS RELATOS E REFERÊNCIAS

Uma das primeiras referências não cristãs à crucificação de Jesus é provavelmente a carta de Mara Bar-Serapion para o seu filho, escrita em algum momento após 73, mas antes do século III. A carta não contém temas cristãos e supõe-se que o autor fosse pagão. Ela faz referência às retribuições que se seguiram ao tratamento injusto dado a três sábios: Sócrates, Pitágoras e "o sábio rei" dos judeus. Alguns acadêmicos têm poucas dúvidas de que se trata de uma referência à execução do "rei dos judeus" trata da crucificação de Jesus, enquanto outros dão menos valor à carta dada a possível ambiguidade da referência.



Em sua obra "Antiguidades Judaicas" (escrita por volta de 93 d.C.), o historiador judeu Flávio Josefo afirmou que Jesus foi crucificado por Pilatos, escrevendo que:

“Vivia naquele tempo Jesus, um homem sábio, .... Ele atraiu para junto de si muitos judeus e muitos gentios... E quando Pilatos, por sugestão dos principais homens entre nós, condenou-o à cruz...”

A maior parte dos estudiosos modernos concordam que, enquanto esta passagem de Josefo (conhecida como Testimonium Flavianum) inclui algumas interpolações posteriores, ela consistia originalmente de um núcleo autêntico com referência a execução de Jesus por Pilatos. James Dunn afirma que há um "amplo consenso" entre os estudiosos sobre a natureza autêntica da referência à crucificação de Jesus no Testimonium.

No início do século II, outra referência à crucificação de Jesus foi feita por Tácito, geralmente considerado um dos maiores historiadores romanos. Escrevendo em "Os Anais" (c. 116), Tácito descreveu a perseguição aos cristãos sob Nero e afirmou que Pilatos ordenou a execução de Jesus:

“Nero reprimiu sua culpa e infligiu as mais requintadas torturas numa classe detestada por suas abominações, chamados de cristãos pela população. Christus, de quem se origina o nome, sofreu a pena capital durante o reinado de Tibério pelas mãos de um de nossos procuradores, Pôncio Pilatos.”

Os estudiosos geralmente consideram a referência de Tácito à execução de Jesus por Pilatos como sendo genuína e de valor histórico como uma fonte romana independente. Eddy e Boyd afirmam que atualmente está "firmemente estabelecido" que Tácito é uma confirmação não cristã da crucificação de Jesus.

Outra possível referência à crucificação ("pendurados", como em Lucas 23:39 e Gálatas 3:13) pode ser encontrada no Talmude babilônio:

“Na véspera da Páscoa, Yeshu foi pendurado. Por quarenta dias antes da execução, um mensageiro apareceu e exclamou: 'Ele seguirá sendo apedrejado pois ele praticou a bruxaria e levou Israel para a apostasia. Quem puder dizer algo em sua defesa, que se apresente e o defenda'. Como desde então ninguém se apresentou em sua defesa, ele foi pendurado na véspera da Páscoa!”
           
Ainda que a questão da equivalência de identidades entre Yeshu e Jesus tenha sido debatida, muitos historiadores concordam que a passagem acima é provavelmente sobre Jesus.

Ao contrário da imensa maioria dos acadêmicos bíblicos, os muçulmanos defendem que Jesus não foi crucificado e nem morto de outra forma. Eles defendem esta crença com base em várias interpretações do Corão (4:157–158), que afirma: "E por dizerem: Matamos o Messias, Jesus, filho de Maria, o Mensageiro de Deus, embora não sendo, na realidade, certo que o mataram, nem o crucificaram, senão que isso lhes foi simulado. E aqueles que discordam, quanto a isso, estão na dúvida, porque não possuem conhecimento algum, abstraindo-se tão-somente em conjecturas; porém, o fato é que não o mataram. Outrossim, Deus fê-lo ascender até Ele, porque é Poderoso, Prudentíssimo".

Algumas das primeiras seitas cristãs gnósticas, acreditando que Jesus não tinha uma substância física (uma tese conhecida como docetismo), negavam que ele tivesse sido crucificado. Como resposta a elas, Inácio de Antioquia insistiu que Jesus nasceu verdadeiramente e foi verdadeiramente crucificado e escreveu que os que defendiam que Jesus apenas pareceu sofrer apenas pareciam ser cristãos.

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