Escuridão e eclipse
Na narrativa dos evangelhos sinóticos, enquanto Jesus estava preso na cruz, o céu se "escureceu" por três horas, da hora sexta até a nona (do meio-dia às três da tarde). Tanto o orador romano Júlio Africano e o teólogo cristão Orígenes se referem ao historiador grego Flégon como tendo escrito "a respeito do eclipse durante o tempo de Tibério, em cujo reinado Jesus parece ter sido crucificado, e aos grandes terremotos que ocorreram".
Júlio Africano se refere ainda às obras do historiador Thallus ao negar a possibilidade de um eclipse solar: "Esta escuridão que Thallus, no terceiro livro de sua "História", chama, para mim sem razão, de um eclipse solar. Pois os hebreus celebram a Páscoa no décimo-quarto dia de acordo com a lua e a Paixão de nosso Salvador cai no dia anterior à Páscoa; mas um eclipse do sol ocorre apenas quando a lua entra na frente do sol". Uma eclipse solar ocorrendo juntamente com uma lua cheia é uma impossibilidade científica. O apologista cristão Tertuliano escreveu "Na mesma hora, também, a luz do dia foi retirada, quando o sol, na mesma hora, estava no seu fulgor meridiano. Os que não sabem que isto foi previsto sobre Cristo, sem dúvida acreditam que se tratou de um eclipse. Vocês próprios tem um relato do augúrio mundial em vossos arquivos". A escuridão foi reportada em lugares tão distantes quanto Heliópolis e, aparentemente, a ocorrência sobrenatural também foi citada por São Paulo ao converter Dionísio ao cristianismo.
Humphreys e Waddington, da Universidade de Oxford, reconstruíram os cenários para um eclipse lunar naquele dia. Eles concluíram que:
“Este eclipse foi visível a partir de Jerusalém a partir da aparição da Lua... visível primeiro em Jerusalém por volta de 6:20 da tarde (o início do sabbath judaico e também o início da Páscoa judaica em 33 d.C.) com aproximadamente 20% do seu disco na umbra da sombra da terra... O eclipse terminou trinta minutos depois, por volta de 6:50.”
Estes autores notaram que a referência do apóstolo Pedro a uma "lua de sangue" em Atos 2:20 (um termo comumente utilizado para um eclipse lunar por causa da cor avermelhada da luz refratada na Lua através da atmosfera terrestre) pode ser uma referência a este eclipse. Deve-se ter em mente, porém, que, no versículo anterior da mesma passagem, São Pedro explicitamente menciona que "O Sol se converterá em trevas", o que sugeriria um eclipse solar em conjunção com um outro lunar.
O véu do Templo, terremoto e a ressurreição dos santos
Os evangelhos sinóticos afirmam que o véu do templo se rasgou de cima a baixo. De acordo com Josefo, a cortina do templo de Herodes teria quase sessenta metros de comprimento, com quatro milímetros de espessura. De acordo com Hebreus 9:1-10, esta cortina representava a separação entre os homens e Deus, além da qual somente o sumo-sacerdote poderia passar e, mesmo assim, somente uma vez por ano para adentrar-se na presença de Deus e se redimir dos pecados de Israel (capítulo 16 do Levítico).
O evangelho de Mateus afirma que houve também terremotos, partindo rochas e abrindo os túmulos dos santos (que posteriormente ressuscitaram após a ressurreição de Jesus). Estes santos ressuscitados foram para a cidade sagrada e apareceram para diversas pessoas, mas o seu destino jamais foi elaborado.
SIGNIFICADOS TEOLÓGICOS
Cristologia da crucificação
Os relatos sobre a crucificação e a subsequente ressurreição de Jesus fornecem um rico contexto para a análise cristológica, dos evangelhos canônicos até as epístolas paulinas.
Na cristologia agente joanina, a submissão de Jesus à crucificação é um sacrifício feito como um "agente de Deus" ou "servo de Deus", em prol de uma eventual vitória. Este argumento elabora sobre o tema salvífico do evangelho de João, que começa em João 1:29 com a proclamação de João Batista: "Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo!".
Um elemento central na cristologia apresentada nos Atos dos Apóstolos é a afirmação na crença de que a morte de Jesus na cruz aconteceu "com Deus sabendo com antecedência e de acordo com um plano definido". Neste ponto de vista, como em Atos 2:23, a cruz não é vista como um escândalo, pois a crucificação de Jesus "pelas mãos dos sem lei" é vista como sendo o cumprimento do plano de Deus.
A cristologia de Paulo tem um foco específico na morte e ressurreição de Jesus. Para ele, a crucificação está diretamente relacionada à sua ressurreição e o termo "a cruz de Cristo" utilizado em Gálatas 6:12 pode ser visto como uma abreviação da mensagem dos evangelhos. Para Paulo, a crucificação de Jesus não foi um evento isolado na história, mas um evento cósmico com importantes consequências escatológicas, como em I Coríntios 2:8. Sob o ponto de vista paulino, Jesus, obediente até a morte (Filipenses 2:8) morreu "na hora certa" (Romanos 4:25) cumprindo plano de Deus. Para Paulo, o "poder da cruz" não se separa da ressurreição de Jesus.
Porém, a crença na natureza redentora da morte de Jesus é anterior às epístolas paulinas e remonta aos primeiros dias do cristianismo e à igreja de Jerusalém. A afirmação do credo de Niceia de que "ele foi crucificado pelo nosso bem" é um reflexo da formalização desta crença fundamental no século IV.
Expiação
A morte e a ressurreição de Jesus suportam uma variedade de interpretações teológicas sobre como a salvação é concedida à humanidade. Estas interpretações variam muito principalmente em quanta ênfase elas dão à morte de Jesus em comparação com suas palavras. De acordo com visão da expiação substitucionária, a morte de Jesus é de importância central e Jesus conscientemente se sacrificou como um ato de perfeita obediência como um sacrifício de amor que agradou a Deus. Em contraste, a teoria da expiação por influência moral foca muito mais no conteúdo moral dos ensinamentos de Jesus e vê a sua morte como um martírio. Desde a Idade Média há um conflito entre estes dois pontos de vista na Igreja Ocidental. Os protestantes evangélicos tipicamente defendem uma visão substitucionária e, em particular, defendem a teoria da substituição penal. Os protestantes históricos (não evangélicos, reformados ou pentecostais) tipicamente rejeitam a expiação substitucionária e defendem a teoria da influência moral. Ambas as visões são populares na Igreja Católica, com a doutrina da satisfação incorporada na ideia de penitência.
Na tradição católica, esta visão da expiação é balanceada pela obrigação dos católicos romanos de realizarem os atos de reparação a Jesus Cristo, que, na encíclica Miserentissimus Redemptor do papa Pio XI, foram definidos como "alguma forma de compensação a ser prestada pelo prejuízo", referindo-se aos sofrimentos de Jesus. O papa João Paulo II se referiu a estes atos de reparação como os "incessantes esforços para permanecer junto às infinitas cruzes nas quais o Filho de Deus continua a ser crucificado".
Entre os cristãos ortodoxos, outro ponto de vista comum é o do Christus Victor, que defende que Jesus foi enviado por Deus para derrotar a morte e Satã. Por conta de sua perfeição, Jesus derrotou ambos e emergiu vitorioso. Portanto, a humanidade não está mais presa ao pecado e está agora livre para se reunir com Deus na fé em Jesus.
Aspectos médicos da crucificação
Diversas teorias já tentaram explicar as circunstâncias da morte de Jesus na cruz através do conhecimento médico dos séculos XIX e XX, propostas por todo tipo de profissionais: médicos, historiadores e até mesmo místicos.
A maior parte das teorias propostas por médicos formados (com especialidades variando da medicina forense até a oftalmologia) concluíram que Jesus suportou um sofrimento enorme e muita dor na cruz antes de sua morte. Em 2006, o clínico geral John Scotson revisou quarenta publicações sobre a causa da morte de Jesus e as teorias variavam de ruptura cardíaca a embolismo pulmonar.
Já em 1847, baseando-se em João 19:34, o médico William Stroud propôs a "teoria da ruptura cardíaca" como causa mortis de Jesus e ela influenciou diversas pessoas depois. A "teoria da asfixia" tem sido objeto de diversos experimentos que simulam a crucificação em voluntários saudáveis e muitos médicos concordam que ela causa uma profunda disrupção na capacidade respiratória da vítima. Um efeito colateral da asfixia por exaustão é que a vítima da crucificação sente gradualmente mais e mais dificuldade para conseguir fôlego suficiente para falar, o que foi apresentado como uma possível explicação para os relatos de que as últimas palavras de Jesus seriam nada mais do que curtas exclamações.
A "teoria do colapso cardiovascular" é a explicação moderna prevalente e sugere que Jesus morreu por causa de um choque profundo. De acordo com esta teoria, a flagelação, as surras e finalmente sua fixação na cruz com pregos deixaram Jesus desidratado, fraco e criticamente enfermo, um cenário ideal para a instalação de um conjunto complexo e inter-relacionado de outros efeitos funestos: além da desidratação, intenso trauma físico e dano aos tecidos (especialmente por causa da flagelação), respiração inadequada e um esforço físico extenuante. Estes efeitos levaram finalmente ao colapso cardiovascular.
Escrevendo no Journal of the American Medical Association ("Jornal da Associação Médica Americana"), o médico William Edwards e seus colegas defenderam uma combinação das teorias do colapso cardiovascular (via choque hipovolêmico) e da asfixia por exaustão, assumindo que o fluxo de "água" que verteu do ferimento no flanco de Jesus descrito em João 19:34 seria o fluido pericárdio. Alguns apologistas cristãos parecem favorecer esta teoria e defendem que esta anomalia médica seria um fato que o evangelista seria tentado a deixar de fora em seu relato caso seu interesse não fosse um registro fidedigno.
Em seu livro "A Crucificação de Jesus", o médico e patologista Frederick Zugibe apresenta um conjunto de teorias que tentam explicar a colocação dos pregos, as dores e a morte de Jesus em grande nível de detalhe. Zugibe realizou diversos experimentos ao longo de vários anos para testar suas teorias quando ele era médico. Entre eles, experimentos nos quais os voluntários com pesos específicos eram pendurados em ângulos determinados e o peso suportado em cada mão era medido, variando-se a existência de um suporte para os pés. A conclusão foi de que tanto o peso quanto a dor correspondente seria significativa.
O oftalmologista e pastor C. Truman Davis também publicou um visão médica da crucificação, concordando com Barbet, mas sua análise é bem menos detalhada que a de Zugibe.
O cirurgião ortopédico Keith Maxwell não apenas analisou os aspectos médicos da crucificação como também analisou a forma como Jesus carregou a cruz por toda a Via Dolorosa.
ARTE, SIMBOLISMO E DEVOÇÕES
Desde a crucificação de Jesus, a cruz se tornou um elemento chave no simbolismo cristão assim como cena da crucificação, na arte cristã, dando origem a diversos temas artísticos específicos como o Ecce Homo, o Erguimento da Cruz, a Deposição da Cruz e o Sepultamento de Jesus.
A obra "Crucificação vista a partir da cruz", de James Tissot, apresentou uma nova abordagem no final do século XIX, na qual a cena da crucificação foi retratada a partir da perspectiva de Jesus.
O simbolismo da cruz, que hoje é um dos símbolos cristãos mais reconhecidos, foi utilizado desde o cristianismo primitivo. Justino Mártir, que viveu em 165, a descreve de uma forma que deixa implícito o uso já naquela época como símbolo, embora o crucifixo só tenha aparecido mais tarde. Mestres como Caravaggio, Rubens e Ticiano pintaram a cena da crucificação em suas obras.
Devoções baseadas no processo da crucificação e nos sofrimentos de Jesus são observadas por diversos cristãos. As "Estações da Cruz" seguem um número de estágios baseados nos passos seguidos por Jesus até a sua crucificação, enquanto que o Rosário das Santas Chagas é utilizado para meditar sobre as chagas de Jesus como parte da crucificação.
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