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Ética e moral cristã

É comum à teologia introduzir o tema ética e moral ao abordar a necessidade de um bom comportamento do cristão em sociedade.

Somente deveis portar-vos dignamente conforme o evangelho de Cristo, para que, quer vá e vos veja, quer esteja ausente, ouça acerca de vós que estais num mesmo espírito, combatendo juntamente com o mesmo ânimo pela fé do evangelho.” (Filipenses 1.27).

A sã doutrina deve ser defendida

O apóstolo Paulo recomendou aos cristãos de Filipos que se portassem dignamente conforme o evangelho de Cristo (Filipenses 1.27; Colossenses 2.6 -7), ou seja, que todos estivessem firmados em um só espírito (doutrina), como se fossem uma só alma (ânimo), lutando juntos em defesa da fé (doutrina, evangelho).

“Somente deveis portar-vos dignamente conforme o evangelho de Cristo, para que, quer vá e vos veja, quer esteja ausente, ouça acerca de vós que estais num mesmo espírito, combatendo juntamente com o mesmo ânimo pela fé do evangelho.” (Filipenses 1.27)


Nesta oportunidade, o apóstolo dos gentios declarou abertamente que foi escolhido como apóstolo para defender a verdade do evangelho, missão que ele cumpriu até descer à sepultura (acabar a carreira), preservando a fé intacta.

“Mas outros, por amor, sabendo que fui posto para defesa do evangelho.” (Filipenses 1.17);

“Combati o bom combate, acabei a carreira, guardei a fé.” (2 Timóteo 4.7).

Na qualidade de ministro do espírito (evangelho), o cristão tem o dever de viver conforme o evangelho de Cristo (2 Coríntios 3.6), ou seja, abandonar filosofias, tradições, preceitos e doutrinas de homens (Colossenses 2.8 e 22), propondo aos ouvintes somente o Cristo, e esse crucificado (1 Coríntios 2.2), e permanecer crendo até o fim que Jesus é o Filho de Deus (Atos 14.22; Colossenses 1.23).

“O qual nos fez também capazes de ser ministros de um novo testamento, não da letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica.” (2 Coríntios 3.6).

O cristão deve professar e defender a verdade do evangelho (fé, querigma, doutrina, mandamento), o que é diferente de lutar contra carne e sangue. O que seria lutar contra carne e sangue? No contexto, carne e sangue remetem à descendência de Abraão e nacionalidade judaica, ou seja, não se tem que lutar contra a nação, o povo, precisamente, com os filhos de Israel.

“Revelar seu Filho em mim, para que o pregasse entre os gentios, não consultei a carne nem o sangue,” (Gálatas 1.16; Mateus 16.17);

“Porque não temos que lutar contra a carne e o sangue, mas, sim, contra os principados, contra as potestades, contra os príncipes das trevas deste século, contra as hostes espirituais da maldade, nos lugares celestiais.” (Efésios 6.12).

Com relação aos cristãos da igreja primitiva, embate contra carne e sangue seria debater com os judeus acerca de genealogias, tribos, leis, sacrifícios, cerimoniais, tradições, etc., que mais produzem celeumas do que edificação (1 Timóteo 1.4).

“Todos os que querem mostrar boa aparência na carne, esses vos obrigam a circuncidar-vos, somente para não serem perseguidos por causa da cruz de Cristo. Porque nem ainda esses mesmos que se circuncidam guardam a lei, mas querem que vos circuncideis, para se gloriarem na vossa carne.” (Gálatas 6.12-13).

Ao defender a verdade do evangelho, a base de atuação do cristão também não é contra os não crentes, e sim, contra aqueles que se dizem irmãos (nos lugares celestiais), mas, na verdade, são devassos, idólatras, avarentos, etc.

“Mas agora vos escrevi que não vos associeis com aquele que, dizendo-se irmão, for devasso, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com o tal nem ainda comais. Porque, que tenho eu em julgar também os que estão de fora? Não julgais vós os que estão dentro?” (1 Coríntios 5:11 -12).

Vale destacar que os comportamentos reprováveis segundo a moral humana enumerado pelo apostolo Paulo no verso acima, na verdade, são figuras que foram utilizadas pelos profetas para descrever os judeus, e que, no Novo Testamento, os apóstolos utilizaram as mesmas figuras para descrever a relação dos filhos de Israel com Deus (1 Timóteo 1.7-10; Salmo 106).

É por causa das figuras utilizadas pelos profetas para falar aos filhos de Israel (Jeremias 9.2; Isaías 57.3; Jeremias 23.14), que Tiago chama os cristãos convertidos dentre os judeus de adúlteros e adúlteras:

“Adúlteros e adúlteras, não sabeis vós que a amizade do mundo é inimizade contra Deus? Portanto, qualquer que quiser ser amigo do mundo constitui-se inimigo de Deus.” (Tiago 4.4).

Através desses dois versos, temos que nos focar em duas coisas:

  1. Não é dado aos cristãos lutarem contra carne e sangue, ou seja, não compete aos seguidores de Cristo querer mudar as práticas e os costumes judaicos, e;
  2. Os cristãos estão assentados nas regiões celestiais em Cristo (Efésios 1:3; Efésios 2:6), e a defesa da fé se dá em meio aos cristãos (regiões celestiais), e não em relação aos não cristãos (Efésios 6.12).

“Estes são manchas em vossas festas de amor, banqueteando-se convosco, e apascentando-se a si mesmos sem temor; são nuvens sem água, levadas pelos ventos de uma para outra parte; são como árvores murchas, infrutíferas, duas vezes mortas, desarraigadas;” (Judas 1.12).

Por que é importante destacar essa verdade? Porque o apóstolo Pedro, de antemão, instruiu os cristãos acerca dos falsos doutores que, nos últimos dias, introduziriam heresias de perdição e fariam dos cristãos negócios.

“E também houve entre o povo falsos profetas, como entre vós haverá também falsos doutores, que introduzirão encobertamente heresias de perdição, e negarão o Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina perdição.  E muitos seguirão as suas dissoluções, pelos quais será blasfemado o caminho da verdade.  E por avareza farão de vós negócio com palavras fingidas; sobre os quais já de largo tempo não será tardia a sentença, e a sua perdição não dormita.” (2 Pedro 2:1 -3).

Qual a artimanha dos falsos doutores? Sorrateiramente apresentar uma doutrina em substituição ao evangelho genuíno. Dentre esses doutores temos: a) os anticristos, aqueles que abertamente negam que Jesus é o Cristo, o Filho do Deus bendito, e; b) os falsos profetas, aqueles que, sorrateiramente, negam a eficácia do evangelho ao impor várias práticas aos cristãos sob o argumento de que através delas é possível ao homem se salvar.

“ENTÃO alguns que tinham descido da Judeia ensinavam assim os irmãos: Se não vos circuncidardes conforme o uso de Moisés, não podeis salvar-vos.” (Atos 15.1).

Ética e moral vs consciência

Os termos ‘ética’ e ‘moral’ não aparecem na Bíblia, até porque ética é próprio à filosofia, ciência que estuda o caráter e a conduta humana em sociedade, tendo por base “princípios morais” vigentes na sociedade em análise.

Na Bíblia, as questões comportamentais do cristão são abordadas através do termo ‘consciência’:

“Orai por nós, porque confiamos que temos boa consciência, como aqueles que em tudo querem portar-se honestamente.” (Hebreus 13.18).

A perspectiva bíblica está além das questões éticas e morais, pois enquanto a ética é própria à filosofia, ciência que estuda a moral humana em uma determinada sociedade, a boa consciência apresentada nas Escrituras surge da submissão a Deus, visando a propagação do evangelho de Cristo aos homens em qualquer sociedade.

“E por isso procuro sempre ter uma consciência sem ofensa, tanto para com Deus como para com os homens.” (Atos 24.16).

É comum à teologia introduzir o tema ética e moral ao abordar a necessidade de um bom comportamento do cristão em sociedade, aponto de Champlin, na introdução ao tema ética, na sua Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, dizer:

“A ética também faz parte essencial da fé religiosa” Champlin, Russell Norman, Enciclopédia de Bíblia, Teologia e Filosofia, vol. 1, Ed. Hagnus, 11ª Edição, 2013, pág. 554.

É compreensível que a ética faça parte da fé religiosa, mas considerar que ela faça parte da fé do evangelho (Filipenses 1.27), e que seja essencial ao evangelho, é asserção que carece de prova bíblica. Se analisarmos o budismo, hinduísmo, islamismo, judaísmo, etc., uma das temáticas será a moral, diferentemente do evangelho, que a temática é Cristo, e esse crucificado (1 Coríntios 2.2).

Champlin, como teólogo, descreveu com maestria os seis ramos da filosofia, sendo a ética um dos ramos: a conduta ideal do indivíduo. Falou do surgimento da ética, como, provavelmente, originou-se do homo sapiens, e como os chimpanzés tem noção do que é apropriado e inapropriado.

Sem destacar pontos da Antiga Aliança, falou das religiões e da preocupação com a conduta humana, isto porque elas tratam de julgamento, recompensa, reencarnação, etc. Em seguida, faz alusão aos filósofos pré-socráticos, que se envolveram em considerações éticas, citando Anaximandro, Heráclito, Pitágoras, e as suas teses principais.

Em seguida, apresenta Sócrates (450 A.C.), considerado o pai da ética como sistema filosófico, mas não há qualquer referência a Abraão, o pai da fé, a quem primeiramente foi anunciado o evangelho, e que na oportunidade não se fez qualquer referência a ética (Gálatas 3.8).

A Bíblia não aponta o comportamento ideal em sociedade, até porque há diferenças de comportamento de sociedade para sociedade. Entretanto, a Bíblia apresenta o bem e o mal como conhecimento do qual a humanidade tornou-se participante quando Adão comeu do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. O fruto do qual a humanidade é participante é do conhecimento do bem e do mal, o que demonstra que o bem e o mal são indissociáveis quanto conhecimento.

Adão não só comeu o mal, mas do bem e do mal. Isto significa que o summum bonum através da ética é inatingível, pois não há como o homem se desvencilhar do mal, enquanto houver o bem. É através deste conhecimento que o homem se tornou como Deus: conhecedor do bem e do mal.

Mas, enquanto a ética se preocupa com um padrão (ou padrões) do que é certo ou errado a ser aplicado à humanidade, a Bíblia aponta a desobediência de Adão como o evento que levou a humanidade a queda, sendo que o conhecimento do bem e do mal veio agregado as consequências da desobediência: a morte.

Com a vinda de Cristo, Deus não providenciou salvação do conhecimento do bem e do mal, e sim, redenção da morte, condenação imposta à humanidade em função da ofensa de Adão. A Bíblia não trata de caráter, moral, comportamento, etc., mas da substituição de ato: desobediência pela obediência.

“Pois assim como por uma só ofensa veio o juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio a graça sobre todos os homens para justificação de vida. Porque, como pela desobediência de um só homem, muitos foram feitos pecadores, assim pela obediência de um muitos serão feitos justos.” (Romanos 5.18,19).

Champlin, ao abordar princípios éticos no Novo Testamento, afirma que o dilema ético envolve uma luta cósmica, e cita 1 João 5, verso 18:

“Sabemos que os filhos de Deus não continuam pecando, porque o Filho de Deus os guarda, e o Diabo não pode tocar neles” (1 João 5.18).

O verso em análise não trata de ética, muito menos de uma luta cósmica. O apóstolo João já havia destacado que os nascidos de Deus não pecam (1 João 3.6 e 9), no sentido de que não mais são sujeitos ao pecado como servos, vez que os filhos de Deus são servos da justiça (João 8.34).

Esse verso não trata de uma luta cósmica, mas da sujeição do homem a Cristo. Como em Cristo não há pecado, qualquer que está nele tem que estar livre do pecado, pois quem peca é do diabo, e não de Cristo. Quem admite que peca, tem que admitir que é do diabo, pois quem pertence a Jesus não serve mais ao pecado.

Em quem também vós estais, depois que ouvistes a palavra da verdade, o evangelho da vossa salvação; e, tendo nele também crido, fostes selados com o Espírito Santo da promessa.” (Efésios 1.13).

“Assim que, se alguém está em Cristo, nova criatura é; as coisas velhas já passaram; eis que tudo se fez novo.” (2 Coríntios 5.17).

“Qualquer que confessar que Jesus é o Filho de Deus, Deus está nele, e ele em Deus.” (1 João 4.15).

O crente é passível de erros, tropeço, o que é diferente da ideia de ser servo do pecado (Tiago 3.2).

A ideia de uma luta cósmica e da existência de um dilema ético decorre de má leitura do verso 12, do capítulo 6, da carta aos Efésios, e de influências da filosofia de Platão.

Ao falar da perfeição, os apóstolos não tinham em mente a ética, quer seja ela Teísta ou não:

“Todavia falamos sabedoria entre os perfeitos; não, porém, a sabedoria deste mundo, nem dos príncipes deste mundo, que se aniquilam;” (1 Coríntios 2.6).

É uma sabedoria que se fala entre os perfeitos, e não uma sabedoria daqueles que vivem em busca de perfeição.

“E estais perfeitos nele, que é a cabeça de todo o principado e potestade;” (Colossenses 2.10).

Enquanto o apóstolo Pedro destaca a fé (evangelho) como preciosa e que todos os que creem em Cristo alcançaram (1 Pedro 1.1), certo é que os cristãos não foram chamados pela ética, antes pela glória e virtude de Cristo, de modo que, pelas grandíssimas e preciosas promessas, os cristãos sejam participantes da natureza divina.

O texto trata de comunhão, de se fazer um só corpo, de se fazer um com a verdade, por isso o termo ‘conhecimento’ é empregado. A iluminação dos olhos do entendimento se deu com o evangelho, o que resulta em ‘conhecimento’, ‘comunhão intima’.

É impossível através da ética o homem ser transformado à imagem do Filho, antes é através do evangelho que o homem morre e ressurge com Cristo um novo homem, homem este que, como um espelho, reflete a glória de Cristo, visto que foi transformado na mesma imagem de Cristo.

“E, chegando-vos para ele, pedra viva, reprovada, na verdade, pelos homens, mas para com Deus eleita e preciosa, Vós também, como pedras vivas, sois edificados casa espiritual e sacerdócio santo, para oferecer sacrifícios espirituais agradáveis a Deus por Jesus Cristo.” (1 Pedro 2.4-5).

A Bíblia fala de morte e ressurreição, quando é criado um novo homem, e não de uma transformação somente do espírito.

“Qual o terreno, tais são também os terrestres; e, qual o celestial, tais também os celestiais. E, assim como trouxemos a imagem do terreno, assim traremos também a imagem do celestial.” (1 Coríntios 15.48-49);

“Nisto é perfeito o amor para conosco, para que no dia do juízo tenhamos confiança; porque, qual ele é, somos nós também neste mundo.” (1 João 4.17).

Neste mundo somos filhos de Deus (1 João 3.1-3), e no vindouro seremos semelhantes a Ele, para que Ele seja primogênito entre muitos irmãos.

“Porque os que dantes conheceu também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.” (Romanos 8.29).

O apóstolo Paulo deixa claro que não há outro destino para aqueles se fizeram um com Cristo: serão conforme a imagem de Cristo, pois o propósito de Deus é que Cristo seja primogênito entre muitos filhos de Deus iguais a Ele.

Ética, moral e evangelho

A moral, enquanto conjunto de regras de convívio em sociedade, não estabelece que alguém sofra agravos ou padeça injustamente, mas a compreensão do evangelho faz com que o cristão considere como agradável sofrer agravos por causa do evangelho.

“Porque é coisa agradável, que alguém, por causa da consciência para com Deus, sofra agravos, padecendo injustamente.” (1 Pedro 2.19).

“Retiraram-se, pois, da presença do conselho, regozijando-se de terem sido julgados dignos de padecer afronta pelo nome de Jesus.” (Atos 5.41).

A moral impõe ao indivíduo, sob pena de ser censurado pelo grupo ou sociedade, que não se deve comportar na casa dos outros como se estivesse em sua própria casa. A moral impõe a cordialidade nas ações humanas, censurando a indiferença, intromissão, falta de discrição, etc.

Já a consciência para com Deus impõe aos cristãos que, se for em prol do evangelho, que sofra agravos. Mesmo o cristão não sendo malfeitor, visando promover o evangelho, que sofra o agravo, e assim, confunda os homens através do bom porte em Cristo.

“Tendo uma boa consciência, para que, naquilo em que falam mal de vós, como de malfeitores, fiquem confundidos os que blasfemam do vosso bom porte em Cristo.” (1 Pedro 3.16).

O bom porte do cristão é tido como ornamento do evangelho, exigência muito além da ética e da moral humana, pois impunha aos escravos à época dos apóstolos que fossem leais aos seus senhores (1 Pedro 2.18), até mesmo para com os maus:

“Não defraudando, antes mostrando toda a boa lealdade, para que em tudo sejam ornamento da doutrina de Deus, nosso Salvador.” (Tito 2.10).

“Todos os servos que estão debaixo do jugo estimem a seus senhores por dignos de toda a honra, para que o nome de Deus e a doutrina não sejam blasfemados.” (1 Timóteo 6.1).

A consciência cristã não impõe obrigações somente para com os não crentes (judeus e gregos), mas também impõe aos cristãos deveres para com a igreja de Deus:

“Portai-vos de modo que não deis escândalo nem aos judeus, nem aos gregos, nem à igreja de Deus.” (1 Coríntios 10.32).

O conceito de ética difere da moral, pois esta tem por base costumes e hábitos herdados ou que surgem das interações humanas, e aquela se fundamenta na razão. Já o apelo à consciência cristã não comporta exceções, visando sempre a propagação do evangelho.

“Vede que ninguém dê a outrem mal por mal, mas segui sempre o bem, tanto uns para com os outros, como para com todos.” (1 Tessalonicenses 5.15).

Quando Naamã se despediu do profeta Eliseu, solicitou que lhe fosse perdoado quando tivesse que se inclinar perante o deus Rimon, posto que não podia recusar fazê-lo quando o rei da Síria e senhor de Naamã se inclinasse (2 Reis 5.17). Caso se encurvasse perante o deus Rimon, Naamã era passível de repreensão, ou estava mostrando boa lealdade para com seu senhor em tudo?

Sadraque, Mesaque e Abednego, de outra banda, se recusaram prostrar e adorar a estátua de ouro confeccionada pelo rei da Babilônia, Nabucodonosor. Sadraque, Mesaque e Abednego estavam corretos, ou Eliseu orientou Naamã equivocadamente? Havia alguma regra ética ou normal moral na Antiga Aliança que regulasse essas questões? Evidente que não!

A regra de ouro é: “Tens tu fé? Tem-na em ti mesmo diante de Deus. Bem-aventurado aquele que não se condena a si mesmo naquilo que aprova.” (Romanos 14.22).

Naamã não se condenava naquilo que aprovava, e os três jovens, Sadraque, Mesaque e Abednego, não impuseram as suas convicções aos demais filhos de Israel que estava no exílio babilônico.

Tanto Naamã, quanto os três jovens, apesar do comportamento diferente, tinham um propósito em comum: dar graças a Deus!

“Aquele que faz caso do dia, para o Senhor o faz e o que não faz caso do dia para o Senhor o não faz. O que come, para o Senhor come, porque dá graças a Deus; e o que não come, para o SENHOR não come, e dá graças a Deus.” (Romanos 14.6).

Cada cristão tem os seus motivos diante de Deus, e como tudo o que foi escrito é para instrução (Romanos 15.4), ao instruir Naamã, Eliseu considerou que o ídolo nada é (1 Coríntios 10.19), e os três jovens propuseram evidenciar que serviam ao Deus de Abraão, Isaque e Jacó (Daniel 3.17).

Enquanto cidadão de uma pátria, o cristão pode preservar valores pertinentes a sua nação, entretanto, tais valores não podem ser considerados quando se trata do corpo de Cristo. Apesar de ter sido instruído, aprendido a lição e continuar combatendo o bom combate, o apóstolo Pedro, quando em outro ajuntamento solene, tornou-se repreensível, pois comia com os gentios, mas ao ver alguns da circuncisão chegarem, afastou-se dos cristãos gentios para se achegar aos cristãos convertidos dentre os judeus, uma clara violação das premissas do evangelho de Cristo.

“Mas, quando vi que não andavam bem e direitamente conforme a verdade do evangelho, disse a Pedro na presença de todos: Se tu, sendo judeu, vives como os gentios, e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus?” (Gálatas 2.14).

Não andar bem e direito conforme a verdade do evangelho (boa consciência) pode levar o cristão a naufragar (não conservar, não guardar) na fé. O evangelho não comporta fingimento, pois qualquer posicionamento ou comportamento que exclui o irmão do corpo de Cristo é vã contenda, e pode levar o cristão a desviar-se do evangelho (fé).

“Ora, o fim do mandamento é o amor de um coração puro, e de uma boa consciência, e de uma fé não fingida, do que, desviando-se alguns, se entregaram a vãs contendas;” (1 Timóteo 1.5-6);

“Conservando a fé, e a boa consciência, a qual alguns, rejeitando, fizeram naufrágio na fé.” (1 Timóteo 1.19).

Em quanto membro de uma determinada sociedade, o cristão deve se adaptar às práticas tidas como virtuosas e louváveis do ponto de vista da ética e da moral daquela sociedade. Ao escrever a Tito, o apóstolo Paulo destaca a necessidade de sujeição dos cristãos as autoridades e instituições humanas (estado e governo), bem como considerar a ética e a moral local (modestos, apropriado):

“Admoesta-os a que se sujeitem aos principados e potestades, que lhes obedeçam, e estejam preparados para toda a boa obra; Que a ninguém infamem, nem sejam contenciosos, mas modestos, mostrando toda a mansidão para com todos os homens.” (Tito 2.1-2).

Qual ética ou moral o cristão deve adotar? A moral judaica? A ética grega? A moral romana? A ética dos bárbaros? Ora, nenhuma e nem outra, e ao mesmo tempo considerar todas, observando sempre o que é apropriado, conveniente, sutil, etc.

Como pode ser isto? Ora, o cristão não deve adotar uma ética ou moral própria aos judeus, pois seria inevitável ao cristão querer impor aos outros povos práticas judaicas.

“Mas, quando vi que não andavam bem e direitamente conforme a verdade do evangelho, disse a Pedro na presença de todos: Se tu, sendo judeu, vives como os gentios, e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus? (Gálatas 2.14).

É por causa das diferenças culturais nas sociedades, que ao escrever aos cristãos convertidos dentre os judeus, o apóstolo Pedro enfatiza a condição de estrangeiros e forasteiros dos judeus cristãos, quando recomendou se absterem das questões judaicas (concupiscências carnais) enquanto vivessem entre os gentios, e adotassem um modo de vida que as pessoas bendissessem a Deus no dia da visitação.

“Amados, peço-vos, como a peregrinos e forasteiros, que vos abstenhais das concupiscências carnais que combatem contra a alma; Tendo o vosso viver honesto entre os gentios; para que, naquilo em que falam mal de vós, como de malfeitores, glorifiquem a Deus no dia da visitação, pelas boas obras que em vós observem.” (1 Pedro 2.11-12).

A exigência do apóstolo Pedro aos judeus cristãos também se aplica aos romanos cristãos, aos gregos cristãos e aos brasileiros cristãos. A incumbência da igreja nunca foi e nem será impor ou transformar as leis, a ética e a moral da sociedade na qual o cristão está inserido.

A incumbência da igreja (corpo de Cristo) ou de seus membros em particular (cristãos) não é ditar normas de comportamentos ou práticas a serem adotadas pelos não crentes. Entretanto, ao longo da história da cristandade, verifica-se que várias instituições ditas cristãs têm se empenhado em impor valores comportamentais à sociedade alegando um modo de vida dito cristão.

Não existe um modo de viver cristão, ou modo de viver de crente. Observe:

“Mas, quando vi que não andavam bem e direitamente conforme a verdade do evangelho, disse a Pedro na presença de todos: Se tu, sendo judeu, vives como os gentios, e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus? (Gálatas 2.14).

O apóstolo Paulo podia ter repreendido o apóstolo Pedro dizendo: ‘Se tu, sendo judeu, vives como crente, e não como judeu’, se realmente houvesse um tipo especifico de comportamento cristão. Entretanto, não há um comportamento que se possa rotular ou dizer ser especifico dos crentes. Há entre os gentios ou entre os judeus um modo honesto de viver, e é esse modo apropriado que o cristão deve adotar (modo de vida).

É por isso que o apóstolo Paulo recomenda aos cristãos serem íntegros:

“Seja a vossa equidade notória a todos os homens. Perto está o SENHOR. (…) Quanto ao mais, irmãos, tudo o que é verdadeiro, tudo o que é honesto, tudo o que é justo, tudo o que é puro, tudo o que é amável, tudo o que é de boa fama, se há alguma virtude, e se há algum louvor, nisso pensai. O que também aprendestes, e recebestes, e ouvistes, e vistes em mim, isso fazei; e o Deus de paz será convosco.” (Filipenses 4.5 e 8-9).

Ética, moral e salvação

Não há no evangelho de Cristo qualquer referência a ética ou a moral humana, isto porque a perdição e a salvação da humanidade não decorrem e nem estão vinculadas a tais questões.

A perdição não se deu por causa de uma questão ética ou moral, antes se deu pela ofensa de um homem (Adão) a um mandamento, e todos os seus descendentes, por entrarem neste mundo por Adão, trilham um caminho que os conduz à perdição.

Semelhantemente, a salvação se dá por Cristo, a porta estreita, o último Adão, e todos que entram por Cristo trilham um caminho apertado que os conduz à vida.

“Entrai pela porta estreita; porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela; E porque estreita é a porta, e apertado o caminho que leva à vida, e poucos há que a encontrem.” (Mateus 7.13-14).

Onde está a moral e a ética nos quesitos perdição e salvação? Inexiste questões de ordem ética ou moral tanto para salvação ou para a perdição.

O homem moralmente correto, que vive de acordo com os preceitos herdado de seus pais, ou que toma suas decisões com base na razão, segundo a Bíblia, está em igual condição àquele que não é moralmente regrado ou que não segue a razão. Nicodemos e a mulher samaritana são dois personagens bíblicos que ilustram bem essa questão.

Crer em Cristo é a grande temática da Bíblia com relação à salvação, sem qualquer alusão às questões humanas de ética e moral.

Há quem diga que estudar ética é muito importante para aperfeiçoar o relacionamento e conduta do indivíduo na sociedade. Grande equívoco, pois se assim fosse, bastava massivo ensino de filosofia no campo da ética e da moral para melhorarmos o comportamento do indivíduo na sociedade.

Ora, sabemos que a moral humana é delineada pela família e sociedade, e que os estudos acadêmicos não moldam o comportamento de ninguém.

Mas, equivoco maior surge quando alguém se apoia na premissa de que existe uma ética dita cristã, e que é necessário identificarmos os seus principais fundamentos a fim de aperfeiçoar a vida de comunhão com Deus.

Em nenhuma abordagem Jesus fez alusão a princípios éticos e morais que pudessem aperfeiçoar o crente, antes Ele apontou a palavra de Deus e o que ela faz:

“Vós já estais limpos, pela palavra que vos tenho falado.” (João 15:3).

A Bíblia não apresenta princípios éticos, morais ou legais, antes as instruções comportamentais aos cristãos são de ordem superior:

“Portai-vos de modo que não deis escândalo nem aos judeus, nem aos gregos, nem à igreja de Deus.” (1 Coríntios 10:32).

O cristão deve se comportar de modo apropriado para não impor entrave ao evangelho, e esse cuidado abrange todos os homens: quer judeu, quer grego ou a igreja de Deus.

Para o crente em Cristo não há restrições, antes plena liberdade:

“Todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas convêm; todas as coisas me são lícitas, mas nem todas as coisas edificam.” (1 Coríntios 10:23).

Isto posto, vemos que a Bíblia não trabalha com uma espécie de ‘ética cristã’, mas sim com a palavra de Deus, pois tudo o que não é proveniente de fé é pecado.

“Mas aquele que tem dúvidas, se come está condenado, porque não come por fé; e tudo o que não é de fé é pecado.” (Romanos 14:23).

Quando Deus ordenou a Abraão oferecer o seu único filho em holocausto, vemos a palavra de Deus acima de qualquer questão ética, moral ou legal. Como Abraão se propôs oferecer o seu único filho em obediência a palavra de Deus, ou seja, tendo por base a fé, o comportamento de Abraão não era pecado, embora tal conduta fosse censurável por parte da moral e das leis humanas.

Tamar resolveu enganar o seu sogro se passando por prostituta para prover descendência ao seu marido, Er. Tendo por base a moral e a ética, a atitude de Tamar é censurável, mas como ela buscou descendência para o seu marido em virtude da promessa feita a Jacó, a conduta dela não foi pecado, pois tinha por base a fé anunciada a Abraão.

Deus havia ordenado Saul exterminar completamente os amalequitas, porém, ele resolveu preservar a vida de Agague, rei dos amalequitas, e Deus o reprovou. Segundo a moral e a ética humana, preservar a vida de alguém é louvável, mas como a atitude de Saul não tinha por base a fé, ou seja, a palavra de Deus, a conduta de Saul foi tida como pecado.

É em função da não existência de uma ética ou moral cristã que o apóstolo Paulo recomenda aos cristãos que se portem de modo digno da salvação, com disposição para portar-se honestamente em tudo.

“Rogo-vos, pois, eu, o preso do Senhor, que andeis como é digno da vocação com que fostes chamados,” (Efésios 4:1);

“Orai por nós, porque confiamos que temos boa consciência, como aqueles que em tudo querem portar-se honestamente.” (Hebreus 13.18).

É imprescindível para quem quer portar-se de modo honesto em tudo permanecer na condição que foi chamado:

“E assim cada um ande como Deus lhe repartiu, cada um como o Senhor o chamou. É o que ordeno em todas as igrejas. É alguém chamado, estando circuncidado? fique circuncidado. É alguém chamado estando incircuncidado? não se circuncide. A circuncisão é nada e a incircuncisão nada é, mas, sim, a observância dos mandamentos de Deus. Cada um fique na vocação em que foi chamado. Foste chamado sendo servo? não te dê cuidado; e, se ainda podes ser livre, aproveita a ocasião.” (1 Coríntios 7.17-21).

Por que? Qualquer mudança na condição de quem segue ao evangelho gerará entraves na sociedade. Se alguém é chamado incircunciso e quer se circuncidar, trará entraves a si mesmo e aos seus familiares e amigos, e acabará por querer impor a eles a sua nova condição.

Aos donos de escravos, o apóstolo Paulo somente recomendou que se fizesse o que fosse de justiça e equidade aos seus servos, sem ameaças (Colossenses 4.1; Efésios 6.9). Por que não foi determinado aos senhores cristãos que fosse dada carta de alforria aos seus escravos? Porque seria perturbada a ordem social vigente, causando mais estrago do que edificação no evangelho. Que diriam outros senhores quando soubessem que, por tornar-se seguidor de Cristo, um senhor cristão havia despedido forro aos seus servos?

Caso um senhor ordenasse a um escravo ou escrava cristão que se deitasse com outro escravo para prover mais escravos, qual seria o dever do escravo cristão? Obedecer, ou alegar que não faria porque agora era cristão?

“Vós, servos, sujeitai-vos com todo o temor aos senhores, não somente aos bons e humanos, mas também aos maus.” (1 Pedro 2.18).

Dizer que a ética e a moral humana se fundamentam em valores materialistas e relativistas tendo por base o modelo sociocultural de hoje é leviano, pois os conceitos pós-modernos jamais relativizam as doutrinas cristãs e a ética e a moral decorrem e se transformam segundo os valores próprios à sociedade e o seu tempo. A ética e a moral rotulada como cristã não tem como eixo a Palavra de Deus, pois esta é revelação divina imutável e, aquela é mutável ao sabor dos valores que tocam as sociedades em tempos determinado.


Fonte: Estudos Bíblicos Teológicos Evangélicos


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