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O livro de Salmos

O livro de Salmos é conhecido como Saltério (nebel), lira ou harpa, uma composição de 150 textos poéticos de lamentação, súplica, louvor, ação de graças, de tempos e lugares diferentes. Essa coleção chama-se em hebraico, O Livro dos Salmos. Em grego, Psalmos, isto é, “Poemas adaptados à música”. É o primeiro e mais comprido dos livros do Hagiógrafo, a terceira divisão da Bíblia hebraica.

O livro de Salmos é um dos mais estimados e usados do Antigo Testamento e, ao mesmo tempo, um dos mais problemáticos do cânon. Questões relativas à autoria, composição, teologia, interpretação, aplicação e função contribuem para a complexidade do livro. O fato de muitos cristãos, ao longo dos séculos, terem encontrado consolo em suas páginas em tempos de necessidade, sem jamais considerar estas questões, serve de testemunho do poder de Deus de ministrar por meio dos livros das Escrituras.

Os primeiros salmos a serem agrupados, e que mais tarde dariam origem ao Saltério, foram denominados “Orações de Davi, filho de Jessé”. Outros foram compostos durante o exílio. Contudo foi durante o reinado de Salomão e o exercício do serviço litúrgico e religioso no primeiro Templo, que os salmos definitivamente passaram a fazer parte da tradição judaica.  Assim, o livro dos Salmos é a compilação de várias coletâneas da fina obra literária bíblico-canônica judaica (poemas, hinos e cânticos espirituais) e representa a etapa final de um processo que demandou séculos de história. Foram os mestres e servos pós-exílicos do Templo, entretanto, que completaram e concluíram a coletânea final de 150 salmos, ao final do século III a.C.

Os salmos refletem tanto o caráter histórico como devocional. Muitos acontecimentos da historia são apresentados: a criação do homem (8.5), a aliança estabelecida com Abraão e seus descendentes (105.9-11), o sacerdócio de Melquisedeque (110.4), Isaque, Jacó, Moisés e Arão (105.9-45), a libertação do Egito e a herança Cananeia (78.13; 105.44). Muitos outros exemplos poderiam ser citados.

DATA

Ao questionarmos a data da publicação dos salmos, uma primeira pergunta se faz necessária: de qual salmo especificamente estamos falando? Porquanto o Saltério é composto de salmos que vão desde a época pré-exílica, passando por todo o tempo de cativeiro, até o pós-exílico. O processo de descobrimento, seleção e formação da coletânea canônica dos salmos levou vários séculos, e foi concluído somente no final do século III a.C.

Considerando que metade de todo o Saltério é de autoria de Davi (ou davídicos), e que quase todos foram originados no período áureo de Israel e alguns até mais tarde, podemos datar as primeiras publicações dos Salmos por volta do ano 1000 a.C. 

AUTORES DOS SALMOS

Falamos de Salmos como sendo de Davi. Ele é considerado o autor principal, dá a nota dominante, e a sua voz se sobressai às outras no coro sagrado. Mas houve outros autores além dele.

De acordo com os títulos, Davi foi o autor de 73 salmos, Asafe foi autor de 12, os filhos de Coré foram autores de 11, Salomão foi autor de 2, e Moisés e Etã foram autores de 1 salmo cada. Nenhum autor é mencionado no caso de 50 dos salmos. A Septuaginta adiciona Ageu e Zacarias como autores de 5 salmos.

Salmos de Davi: 3 a 9, 11 a 32, 34 a 41, 51 a 65; 68 a 70, 86, 101, 108 a 110, 122, 124, 132, 133, 138 a 145.

Salmos de Salomão: 72 e 127.

Salmos dos filhos de Coré: 42, 44 a 49, 84, 85, 87 e 88. Os filhos de Coré formavam uma família de sacerdotes e poetas no tempo de Davi.

Salmos de Asafe: 50, 73 a 83. Asafe era um dos principais músicos de Davi. A família de Asafe era encarregada da música de geração em geração.

Salmo de Etã: 89.

Salmo de Moisés: 90.

É provável que em alguns casos, o nome atribuído ao autor de certos salmos possa referir-se melhor ao compilador do que ao autor. 

ORGANIZAÇÃO DOS SALMOS

Já sabemos que os salmos 1 e 2 servem de introdução geral ao livro e que os salmos de ligação são uteis para discernirmos o propósito do organizador. Que conclusões podem ser tiradas deles quanto ao propósito e a mensagem do organizador?

O salmo 1 traça a distinção nítida entre a conduta do justo e a do ímpio. Também fala de seus respectivos destinos. Percebemos que o organizador apresenta com precisão um dos temas principais dos salmos: o interesse pelo galardão dos justo e o castigo dos ímpios.

O salmo 2 apresenta a ideia de que Deus escolheu o rei israelita e o defendeu das conspirações dos reinos.  Apresenta-se aqui o aspecto nacional em contraste com o aspecto individual.

Esse dois níveis de mensagem (individual e nacional) unem-se em Davi. Ele representa o justo necessitado de apoio divino. Também é o rei de Israel por excelência, que representa não só Israel, mas também todos os reis sucessivos de sua linhagem. Seu amor a Deus levou o Senhor a escolhê-lo como rei e estabelecer a aliança do Reino com ele. 

PROPÓSITO E MENSAGEM

Cada autor possuía um propósito especifico para compor um salmo. Os comentários mais antigos sugerem a situação histórica por trás de cada salmo, mas essa prática era altamente especulativa e não produziu resultados satisfatórios. É provável que muitas composições tenham sido feitas para suprir necessidades litúrgicas. 

Devemos estar dispostos a considerar toda a gama de situações possíveis. Alguns salmos foram motivados possivelmente por acontecimentos históricos específicos, por exemplo, treze deles citam ocorrências históricas no título: 3, 7, 18, 34, 51, 52, 54, 56, 57, 59, 60, 63 e 142. Todos são da autoria de Davi. Outros devem ter sido escritos para ocasiões litúrgicas distintas. Mas alguns podem ter sido meditações pessoais. A questão é que não há propósito unificado ou mensagem identificada como uma linha de pensamento unificada nos salmos. 

DIVISÕES E TÍTULOS DOS SALMOS

Na sua edição final, o Saltério continha 150 salmos. Quanto a isso, a Septuaginta e o texto hebraico concordam, embora cheguem a essa cifra de modo diferente. A Septuaginta tem um salmo a mais no fim (mas não com a numeração separada, como Salmo 151); além disso, une os salmos 9 e 10 num só salmo, e faz o mesmo com os salmos 114 e 115, dividindo os salmos 116 e 147 em dois salmos cada um. É estranho que tanto a Septuaginta quanto o texto hebraico numerem os salmos 42 e 43 como dois salmos, embora fique evidente que originariamente eram um só. 

O Saltério era dividido em cinco livros (Salmos 1 a 41, 42 a 72, 73 a 89, 90 a 108, 109 a 150), cada um desses livros recebia uma doxologia final apropriada. Os dois primeiros livros eram provavelmente pré-exílicos. A despeito dessa divisão em cinco livros, o Saltério era claramente considerado uma só obra global, com uma introdução (Salmos 1 e 2) e uma conclusão (Salmos 146 a 150). 

Os salmos do primeiro livro são atribuídos a Davi, exceto o primeiro, o segundo, o 10º e o 33º, que são chamados de órfãos por não se conhecerem o nome de seus autores. Na Septuaginta, os salmos que compõem o primeiro livro são atribuídos a Davi, exceto o primeiro, que serve de introdução, e o segundo. O décimo está incorporado ao nono e o 33º traz o título, “A Davi”. O nome divino de Jeová aparece geralmente nos salmos que compõem esse livro. 

O segundo livro contém 31 salmos. Os primeiros oito fazem parte de uma coleção de cânticos atribuídos aos filhos de Coré. O salmo 43, quer tenha sido escrito por eles, quer não, foi composto para conclusão do salmo 42. Esse grupo é seguido de um salmo de Asafe. Vem depois de um grupo de 20 salmos pertencentes a Davi, exceto dois, o 66 e o 67; este último, porém, a Septuaginta o registra como sendo de Davi. O livro fecha com um salmo anônimo e outro salomônico, 71 e 72. Nesse livro predomina a palavra Elohim para designar a pessoa divina, e dois salmos são duplicados de outros dois do primeiro livro, nos quais a palavra Deus é substituída pela de Jeová (52, 70, cf. 14 e 40.13-17). 

O terceiro livro contém 17 salmos. Os primeiros 11 são atribuídos a Asafe, quatro aos filhos de Coré, um a Davi e outro a Etã. Os salmos desse livro foram colecionados depois da destruição de Jerusalém e do incêndio do templo (74.3,7,8; 79.1). 

O quarto livro contém igualmente 17 salmos, o primeiro é atribuído a Moisés e dois a Davi; os 14 restantes pertencem a autores anônimos. A Septuaginta dá 11 a Davi, deixando apenas cinco para autores anônimos, 92, 100, 102, 105 e 106. 

O quinto livro contém 28 salmos anônimos, enquanto que 15 são atribuídos a Davi e um a Salomão. As inscrições diferem muito na Septuaginta. A coleção dos salmos desse livro foi feita tardiamente porque inclui odes que se referem ao exílio, 126 e 137. Observa-se pois, que a composição dos salmos demandou grande período de tempo. 

Dos 150 salmos, somente 34 não tem título. Esses chamados salmos “órfãos” acham-se sobretudo do terceiro ao quinto livro, em que tendem em ocorrer em grupos pequenos: salmos 91, 93 a 97, 99, 104 a 107, 111 a 119, 135 a 137 e 146 a 150. No primeiro e no segundo livro, somente os salmos 1, 2, 10, 33, 43 e 71 não tem título e, na realidade, os salmos 10 e 43 são continuações dos anteriores. 

CLASSIFICAÇÃO DOS SALMOS

A classificação detalhada dos salmos é de difícil definição, visto que são altamente poéticos, e um salmo pode tocar em diferentes temas. Porém podemos sugerir diversas categorias:

Salmos teocráticos: 95 a 100.

Cânticos de degraus ou de romagem: 120 a 134. Cantados provavelmente, pelos peregrinos subindo às festas anuais de Jerusalém.

Salmos de aleluia: 146 a 150.

Salmos acrósticos: 9,10, 25, 34, 37, 111, 112, 119 e 145. No hebraico a primeira letra de cada linha, ou de cada estrofe, em ordem, segue a ordem do alfabeto hebraico. No Salmo 119, cada estrofe tem 8 linhas e cada linha começa com a mesma letra hebraica da sua estrofe. Esse salmo tem 176 versículos e em todos esses versículos, a não ser em 3, menciona-se a palavra Deus. Referem-se a Palavra de Deus como: Lei, Prescrições, Caminhos, Mandamentos, Preceitos, Juízos, Decretos e Testemunhos.

Salmos messiânicos: os hinos da vinda do Messias: 2, 8, 16, 22, 45, 72, 89, 110, 118, 132 e outros.

Salmos penitenciais: 38,130, e 143.

Salmos imprecatórios: 69, 101, 137 e porções dos salmos 35, 55 e 58. Nesses salmos, Davi pede a Deus, vingança contra seus inimigos e os inimigos de Deus.

Salmos históricos: 78,81, 105 e 106.

Salmos de louvor: Os hinos são facilmente reconhecidos pelo seu exuberante louvor ao Senhor. Deus é louvado pelo que ele é e pelo seu poder e misericórdia. Salmos 8,24,29,33, 47 – 48.

Lamentos: os lamentos expressam uma emoção oposta àquela de louvor. No lamento, o salmista abre seu coração honestamente a Deus, um coração muitas vezes cheio de tristeza, medo ou mesmo ira. Salmos 25, 39, 51, 86, 102 e 120. 

TEOLOGIA DOS SALMOS

Assim como o Saltério foi composto durante o período do Antigo Testamento, assim também a teologia dos salmos é tão abrangente como a teologia do Antigo Testamento. Martinho Lutero denominou o Livro dos Salmos de: “Uma Pequena Bíblia e o Restante do Antigo Testamento”. 

Os leitores cristãos dos Salmos dão atenção especial à relação entre estes cânticos antigos e Jesus Cristo. Após sua ressurreição, Jesus falou a seus discípulos que “importava que se cumprisse tudo o que sobre mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos” (Lc 24.44). O Antigo Testamento, inclusive os Salmos, aguardavam a vinda de Cristo, o seu sofrimento e a sua glória. Jesus e os escritores do Novo Testamento fazem extenso uso dos Salmos para expressar seu sofrimento (Mt 27.46) e a sua glorificação (Mt 22.41 – 46). Além disso, Jesus foi revelado como objeto de culto dos Salmos. Uma vez que Cristo é a Segunda Pessoa da Trindade, os hinos e os lamentos dos Salmos são dirigidos a ele, assim como ao Pai e ao Espírito. Jesus é ao mesmo tempo, cantor dos Salmos (Hb 2.12) e o seu principal tema. 

SALMO 22 E O CALVÁRIO

O Salmo 22 apresenta o quadro do Calvário como nenhum outro. Aqui a crucificação é retratada com mais clareza do que em qualquer outra passagem do Antigo Testamento. Começa com o clamor do Senhor na hora mais negra da sua vida: “Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?”. Termina com: “... foi ele quem o fez”. O original hebraico significa: “Está consumado”, a última expressão de Cristo na cruz. 

No Versículo 6 deste salmo, está escrito: “Mas eu sou verme, e não homem; opróbrio dos homens e desprezado do povo”, referindo-se à afronta da cruz. 

Leia e compare estas passagens:

Salmos 22.1....................................... Mateus 27.46

Salmos 22.6-8.................................... Mateus 27.39,41,43

Salmos 22.12,13................................ Mateus 27.36,44

Salmos 22.8....................................... Mateus 15.23,24 

“Como água me derramei, e todos os meus ossos se desconjuntaram; o meu coração é como cera, derreteu-se no meio das minhas entranhas” (22.14). Isso descreve transpiração excessiva por causa de tortura física. Refere-se também ao coração partido de Jesus. 

“A minha força se secou como um caco, e a língua se me pega ao paladar; e me puseste no pó da morte” (22.15). Este versículo descreve uma sede intensa. 

“Pois me rodearam cães; o ajuntamento de malfeitores me cercou, traspassaram-me as mãos e os pés” (22.16). Crucificação, o método romano de morte por crucificação é descrito aqui neste versículo. A lei judaica desconhecia esse método de castigo. As palavras descrevem a morte por crucificação. Ossos das mãos, dos braços, dos ombros, desconjuntados por ter sido o corpo pregado na cruz, distendendo ossos e músculos. 

“Repartem entre si as minhas vestes, e lançam sortes sobre a minha roupa” (22.18). Até esse ato dos soldados é descrito neste salmo. Leia Mateus 27.35.

 

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